Para alcançar os mais pobres, país tem investido em busca ativa

Por Andréia Peres / Veja

18.09.2024 | Atualizado: 18.09.2024
Para alcançar os mais pobres, país tem investido em busca ativa
A estratégia, que começou a ser usada pelos movimentos de reforma sanitária e psiquiátrica no século 20, tem tido sucesso também em áreas como educação 

“Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai até a montanha”, diz um antigo ditado popular. Essa é a ideia básica das políticas de busca ativa: inverter o sentido da rota. Se o cidadão não vai até o Estado, o Estado vai até ele. A busca ativa é uma estratégia capaz de alcançar pessoas que vivem em situação de grande vulnerabilidade, sem acesso aos seus direitos e aos serviços públicos. 

A proposta não é nova, mas funciona. Na educação, por exemplo, a busca ativa tem tido resultados importantes e está, inclusive, prevista no Plano Nacional de Educação (PNE) como uma das estratégias para a universalização da educação dos 4 aos 17 anos. 

Nas duas últimas décadas, diversas iniciativas bem-sucedidas de busca ativa no campo da educação foram realizadas em diferentes regiões do Brasil. “Em todos os casos, a atuação intersetorial foi fundamental para alcançar as crianças e os adolescentes excluídos, enfrentar as causas da exclusão e garantir o seu acesso e a sua permanência na escola”, esclarece a publicação Contexto geral da busca ativa no Brasil (UNICEF, 2022). 

Não existe uma única maneira ou ferramenta para realizar a busca ativa. De acordo com a publicação, ela pode envolver mutirões, campanhas, palestras, atividades socioeducativas, cruzamento de bases de dados e visitas domiciliares de agentes de diferentes órgãos públicos. 

Consagrada, a busca ativa também começou a ser usada recentemente para garantir o direito das crianças à imunização e também no enfrentamento à fome. 

BUSCA ATIVA ESCOLAR 

Um dos exemplos de maior sucesso que conheço é a Busca Ativa Escolar (BAE), uma estratégia disponibilizada gratuitamente para estados e municípios para evitar e enfrentar o abandono e a evasão escolar. Criada em 2017, a BAE foi desenvolvida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com apoio do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). 

Composta por uma metodologia social e uma plataforma tecnológica, a estratégia conta com a participação intersetorial de outras políticas públicas para garantir a inclusão escolar, a permanência e a aprendizagem de meninas e meninos. 

Segundo avaliação recente feita pelo Unicef, a BAE contribuiu para evitar o abandono escolar de 62 mil estudantes do ensino fundamental, entre 2017 e 2019. Ainda de acordo com a avaliação, que leva em consideração os dados da plataforma da Busca Ativa Escolar e do Censo Escolar nesse período, os municípios que implementaram a estratégia conseguiram reduzir as taxas de abandono e evasão entre 12% e e 16,7% para os anos iniciais do ensino fundamental e de 3,7% a 10,9% para os anos finais.  O maior impacto se deu entre os municípios que aderiram há mais tempo à estratégia, os que possuem menores PIB per capita e aqueles com menor número de habitantes. 

De 2017 a 1º de agosto de 2023, mais de 400 mil casos foram registrados pela BAE e 193.411 crianças e adolescentes foram (re)matriculados na escola nos 3.515 municípios e 22 estados que aderiram à estratégia. 

Para além dos números, há muitas histórias inspiradoras. Casos como o de Yasmin que, com 5 anos, vivia na zonal rural do município de Euclides da Cunha (BA), e a mãe, por falta de informação, não pensava em matriculá-la na escola. Ou de Douglas, um adolescente com autismo, de 16 anos, que perdeu a vaga na escola que estudava, na periferia de Fortaleza (CE), após um grande número de faltas. 

Graças ao trabalho da BAE em suas localidades, Yasmin teve a oportunidade de ingressar na escola e Douglas de voltar a estudar. Em agosto de 2023, Yasmin estava no 3º ano do ensino fundamental e não faltava um dia sequer às aulas. Já Douglas foi matriculado na Educação de Jovens e Adultos (EJA), em fevereiro de 2020, depois de cinco meses fora da escola. 

ESTRATÉGIA VAI ALÉM DA EDUCAÇÃO 

Na área da saúde, uma estratégia que vem contribuindo para a retomada da vacinação em municípios da Amazônia e do Semiárido é a Busca Ativa Vacinal (BAV), do Unicef. Como a BAE, a estratégia, lançada em dezembro de 2022, também usa uma metodologia social e uma ferramenta tecnológica inovadora, disponibilizadas gratuitamente para os municípios, e incentiva a participação de diferentes áreas (educação, assistência social, entre outras) para encontrar crianças menores de 5 anos com atraso vacinal ou não vacinadas e garantir a imunização delas. 

Em entrevista exclusiva à coluna, Lilian dos Santos Rahal, secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, mencionou um novo uso da busca ativa. Desta vez, no enfrentamento à fome. 

Recente, a estratégia vem sendo chamada de Protocolo Brasil Sem Fome e articula o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (Suas) com ações de segurança alimentar para identificação e encaminhamento de pessoas em situação de insegurança alimentar ou de risco de insegurança alimentar. 

“A saúde desenvolveu um método de identificação de pessoas nessa situação. São duas perguntas que são feitas no atendimento da saúde básica que entram no prontuário da pessoa”, conta. “Detectado o risco ou a insegurança alimentar, o caso é encaminhado para que a assistência social verifique, por exemplo, se a família está ou não no Cadastro Único (CadÚnico).” 

O DIREITO A TER DIREITOS 

“Tem gente que chega na saúde em situação de desnutrição ou de insegurança alimentar que não está sequer no Cadastro, que é bem simples de fazer”, relata a secretária. Segundo ela, o esforço que vem sendo feito é no sentido de integrar ações mais permanentes para acabar com a fome, identificando pessoas nessa situação e levando até elas políticas de proteção social e acesso à alimentação. 

Ouvi certa vez numa palestra que um dos aspectos mais cruéis da pobreza é a falta de conhecimento das pessoas em situação de extrema vulnerabilidade do seu direito a ter direitos. Seja na educação, seja na saúde ou no combate à fome, a busca ativa não só corrige essa distorção como organiza uma rede toda para assegurá-los. Uma mudança importante de paradigma nas políticas públicas que já está fazendo a diferença na vida de milhares de pessoas. 

Fonte: Veja 
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil