Metade dos estudantes não conclui Ensino Fundamental com trajetória regular

Por Centro de Referências em Educação Integral

25.06.2024
Metade dos estudantes não conclui Ensino Fundamental com trajetória regular

Uma trajetória regular na Educação Básica é aquela em que os estudantes ingressam na escola na idade certa, progridem a cada ano e concluem todas as etapas de ensino. Este cenário, que deveria ser assegurado para todos e todas, só é realidade para metade dos estudantes brasileiros.

Entre os nascidos entre 2000 e 2005, que atualmente têm entre 19 e 24 anos, apenas 52% concluíram o Ensino Fundamental na idade certa e 41% deles finalizaram o Ensino Médio no período esperado. 

Crianças e adolescentes de baixo nível socioeconômico, com deficiência, indígenas, negros e do sexo masculino são os que apresentam trajetórias mais irregulares ou interrompidas. 

Os dados são inéditos e integram o “Indicador de Regularidade de Trajetórias Educacionais“, que será atualizado periodicamente. Organizado pela Fundação Itaú em parceria com pesquisadores, o estudo vai monitorar a permanência dos estudantes na escola, condição essencial para garantir a aprendizagem e a redução das desigualdades na Educação Básica.

Hoje, a trajetória escolar regular é uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), que estipula no ponto 7 a “melhoria do fluxo escolar”. Políticas públicas, investimentos e atuação intersetorial junto às escolas são fundamentais para garantir as condições necessárias para que crianças e adolescentes permaneçam estudando e aprendam com qualidade.

“A Educação Integral olha para as múltiplas dimensões dos estudantes, que são todas importantes para a permanência. Ela considera o acolhimento, a convivência, a valorização das identidades em um currículo que desperta o interesse, em que o estudante pode produzir e criar de forma conectada ao território, e também endereça todas as demandas de sobrevivência”, aponta Patricia Mota Guedes, superintendente do Itaú Social.

A especialista também indica a urgência de políticas e programas voltados para os anos finais do Ensino Fundamental, etapa em que a trajetória escolar começa a ficar mais irregular e que impacta o acesso e a permanência no Ensino Médio.
O impacto da cultura de reprovação na trajetória escolar

Outro fator preponderante para a irregularidade da trajetória escolar dos estudantes é a cultura de reprovação que predomina no Brasil. Patricia explica que as dificuldades de aprendizagem não são diagnosticadas e endereçadas ao longo do ano. No final, o estudante é reprovado sem ter tido acesso a estratégias pedagógicas para promover as aprendizagens esperadas.

“Há uma expectativa de que repetir de ano vai fazer o aluno aprender o que não conseguiu no ano anterior. Mas isso não amplia aprendizagem, porque o que ele precisa é de uma estratégia pedagógica diferente”, explica a superintendente do Itaú Social.

Ela acrescenta que a repetência também enfraquece o engajamento das crianças e adolescentes nos estudos, promove a perda de vínculo com os colegas e tem efeitos para a autoestima do estudante. “O próprio aluno e a família podem ver a reprovação como uma culpabilização do indivíduo”, diz Patricia.

No lugar disso, é preciso realizar diagnósticos frequentes das aprendizagens dos estudantes e planejar estratégias diversificadas para dar conta das diferentes formas de aprender e das dificuldades de cada um.

“As dificuldades de aprendizagem dos estudantes, muito intensificadas com a pandemia, precisam ser endereçadas para além das expectativas de aprendizagem do ano anterior, mas do que eles precisarem. A solução só não pode ser reprovar o aluno por falta de condições e políticas públicas para sanar essas lacunas”, afirma Patricia.
Confira os principais dados da pesquisa

O indicador define quatro categorias. A trajetória regular; a trajetória com pouca irregularidade, em que há uma ou duas intercorrências, como entrada tardia e episódios de reprovação e/ou abandono; a trajetória com muita irregularidade, que representa mais de dois anos de defasagem devido às mesmas ocorrências; e a trajetória interrompida, quando o estudante evade ou abandona a escola e não retorna ao sistema no período de tempo analisado.

A metodologia de construção do indicador levou em consideração a regularidade da trajetória educacional de nove anos, que corresponde aos anos do Ensino Fundamental (do 1º ao 9º ano), e a regularidade do percurso escolar de doze anos, que contempla os três anos do Ensino Médio.
Nível Socioeconômico

Enquanto 70% dos alunos com nível socioeconômico mais alto apresentam trajetórias regulares, apenas 38% de nível socioeconômico mais baixo conseguiram iniciar e finalizar o Ensino Fundamental na idade correta.
Grupos de raça/cor

A trajetória regular entre estudantes negros (pretos + pardos) é aproximadamente 20pp (pontos percentuais) menor do que entre os brancos. Em relação aos indígenas, esse percentual está em torno de 40pp a menos. Os dados mostram que estudantes brancos possuem um percentual de regularidade de 62%; pardos, 46%; pretos, 41%; e indígenas, 23%.
Sexo

Por volta de 58% das meninas têm trajetórias de nove anos regulares, contra 46% entre os meninos. A diferença por sexo é acentuada em relação à categoria de muita irregularidade. Cerca de 7% das meninas têm trajetórias educacionais marcadas por muitas irregularidades, ao passo que esse percentual é de 14% para os meninos.
Estudantes com deficiência

O estudo aponta que apenas 22% dos estudantes com deficiência têm trajetória regular, entre 2011 e 2019, contra 53% dos sem deficiência. Aproximadamente 56% deles apresentam percursos com muita irregularidade. A porcentagem de trajetórias com irregularidades também se destaca: aproximadamente 64% dos alunos com deficiência concluem o ensino fundamental com intercorrências e cerca de 14% evadem, enquanto entre os sem deficiência 37% possuem trajetórias irregulares e 10% interrompidas.
Desigualdades regionais

No Norte e Nordeste a proporção de estudantes que entraram no sistema educacional em 2011 e concluíram o Ensino Fundamental na idade certa com trajetória regular em 2019 é muito menor que na região Sudeste, onde há municípios com trajetórias regulares acima da média (52%), variando entre 67,4 e 98%.

Entre os estados brasileiros, destacam-se os municípios paulistas, que apresentam uma média de estudantes com trajetórias regulares de 74,9%. Na sequência, aparecem cidades do Paraná (65%), Ceará e Goiás (62,8%), Mato Grosso (61,1%) e Minas Gerais (59,9%).

Territórios no Pará (32,9%), Amapá (36,5%), Acre (40,4%) – no Norte -, e Sergipe (34,5%), Rio Grande do Norte (39,2%), Alagoas (39,3%) e Bahia (39,4%) – no Nordeste -, encontram-se abaixo da média nacional, que é de 52%.

Texto: Ingrid Matuoka / Centro de Referências em Educação Integral