Com história dos três porquinhos, professora identificou crianças em vulnerabilidade

Por Folha de S.Paulo

06.04.2021 | Atualizado: 06.04.2021
Com história dos três porquinhos, professora identificou crianças em vulnerabilidade

Projeto em creche de Rondônia foi eleito uma das melhores práticas de educação infantil durante a pandemia

Na versão da história dos três porquinhos da professora Drielly Souza, 26, o lobo mau não consegue derrubar nenhuma das casas. A adaptação foi a forma que a docente encontrou para explicar aos alunos de 3 anos por que estavam mais protegidos em casa durante a pandemia.

Ela pediu às famílias que compartilhassem no grupo da turma um vídeo curto de cada aluno mostrando sua casa. Em alguns deles, os pais descobriram que nem todas as crianças estavam tão seguras longe da escola.

A história, que inicialmente era apenas para ajudar as crianças a entender a suspensão das aulas presenciais, levou a identificar famílias que estavam com dificuldade até mesmo de comprar alimentos.

A atividade feita com crianças de uma creche municipal de Ariquemes, no interior de Rondônia, foi escolhida pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal como uma das práticas mais inspiradoras para a educação infantil durante a pandemia.“Contação de histórias na educação infantil é sempre importante porque as crianças se identificam, entendem uma mensagem mais complexa. Só não imaginava que essa atividade, mesmo a distância, poderia revelar tanto sobre a situação delas”, conta Drielly.

Ela gravou um vídeo, com o próprio celular, em que conta a história com a ajuda de fantoches. A professora pediu aos pais para mostrar às crianças e depois filmarem a rotina em casa. Das 22 crianças da turma, 20 conseguiram gravar o vídeo com ajuda dos pais e compartilharam no grupo. As imagens de crianças venezuelanas brincando com pedaços de papelão ou em casas muito pequenas comoveu as outras famílias, que se organizaram para doar cestas básicas.

“No nosso município e na escola temos uma situação de muita desigualdade que ficou escancarada quando entramos na casa dos alunos com as aulas remotas.”

Segundo Drielly, mesmo com dificuldade financeira, as famílias se esforçaram para conseguir fazer as atividades propostas pela escola. No entanto, a sugestão de gravar um vídeo com a rotina das crianças foi a que teve maior adesão em todo o ano passado.

“Acho que os pais também queriam mostrar a realidade dos filhos em casa. Eu deixei todos bem livres para mostrar o espaço que quisessem, como brincam, o que comem.”

Para ela, a adesão das famílias passou a ser maior quando entendeu que é melhor dar as instruções das atividades por áudio e não por mensagem escrita. E também propor ações mais simples e com bastante tempo para serem feitas. “Os pais estão trabalhando, têm outros filhos, outras preocupações. É preciso ser flexível.”

Em Ariquemes, as aulas presenciais foram suspensas no começo de abril do ano passado e ainda não retornaram. Não há previsão de quando devem voltar.

“É impossível fazer uma chamada de vídeo com todas as crianças, mas sempre mando e recebo fotos delas, trocamos áudios. É importante que elas não esqueçam que têm uma escola para voltar.”

Como a educação infantil foi a etapa com mais dificuldade de adaptação ao ensino remoto, a fundação decidiu premiar pela primeira vez os professores desse segmento. O objetivo é valorizar o esforço dos docentes em manter o vínculo com as crianças e incentivar. Mais de 700 se inscreveram para concorrer ao prêmio.

Para Beatriz Abuchaim, gerente da fundação, os professores de educação infantil tiveram de ter “ousadia e criatividade” para manter o vínculo com as crianças. Ela diz esperar que esses profissionais tenham seu trabalho mais valorizado depois do que a pandemia revelou.

“Eles tradicionalmente ganham menos, têm jornadas mais longas. Espero que a sociedade tenha enxergado que, para ser professor de educação infantil, não basta apenas gostar de criança.”

Fonte: Folha de S.Paulo
Foto: Arquivo pessoal
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