Escolas públicas utilizam material impresso para garantir a aprendizagem de alunos sem conexão à internet
Desde o primeiro decreto para fechamento das escolas, no início da pandemia, o ensino remoto se tornou a realidade de estudantes e professores no mundo todo, que precisaram se adaptar a um novo formato de ensino e aprendizagem, por conta das medidas preventivas de distanciamento social.
Em regiões onde a curva do número de casos da Covid-19 está decrescente, algumas instituições de ensino começam a colocar em prática a educação híbrida, convocando grupos menores de aluno a cada turno e mesclando momentos de aprendizado presencial, em sala de aula, com atividades remotas. A maioria está se aventurando por esse método pela primeira vez, ajustando as metodologias de acordo com suas possibilidades.
O cenário ideal para ambos os modelos, tanto remoto quanto híbrido, inclui a incorporação da tecnologia na aprendizagem, assim como o acesso à internet de alta velocidade. No entanto, essa não é a realidade de todo estudante brasileiro.
Segundo estudo realizado pela Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais), em parceria com a Unicef e o Instituto Itaú Social, realizada com 3.672 municípios brasileiros, 78,6% deles apontaram a conexão dos alunos à internet como o maior desafio da educação em 2020. Juntos, esses municípios atendem 14,8 milhões de estudantes.
Diante da falta de infraestrutura digital, professores e gestores buscaram alternativas para viabilizar a aprendizagem de todos os alunos, como distribuir atividades impressas nas escolas, pontos comerciais da cidade e até mesmo na casa dos alunos. A pesquisa da Undime revela que este foi o artifício utilizado por 95% das escolas da rede municipal.
Entre os municípios que participaram do levantamento, de janeiro a fevereiro de 2021, 92% responderam que enviaram orientações aos estudantes por Whatsapp; 60% gravaram videoaulas e somente 21,3% trabalharam com videoaulas ao vivo.
As dificuldades colocadas pelo o ensino remoto refletiram no índice de abandono escolar no país, que aumentou consideravelmente desde o início da pandemia. Com o fechamento das escolas, as crianças e adolescentes que deixaram de estudar foram aqueles que já sofriam com a cultura do fracasso escolar antes do aparecimento do novo Coronavírus.
Assim como a evasão, as reprovações e distorção idade-série tendem a disparar e reforçar ainda mais a desigualdade educacional já existente.
Educação para todos na pandemia
Para não entrar na estatística de abandono escolar, algumas escolas públicas uniram forças para garantir que todos os alunos continuassem estudando em 2020.
A Escola Estadual Antônio Gomes, em Mossoró, no Rio Grande do Norte, com turmas do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, se organizou para conversar com as famílias e descobrir a condição de cada um de seus 135 alunos de acessar o conteúdo on-line. Entre os meninos e meninas matriculados, 12 não têm acesso à internet.
Um desses estudantes tampouco tinha acesso a um computador ou tablet, conta a gestora da escola, Plícia de Negreiros Albuquerque. O único dispositivo possuído pela família era o celular da mãe, e a dificuldade em baixar os arquivos enviados pelos professores utilizando o aparelho acabou desestimulando a participação do menino nas atividades escolares.
“Preocupados com a aprendizagem de alunos sem conexão à internet, passamos a disponibilizar materiais impressos na escola, quando também acontece a troca pelas tarefas da semana anterior, já corrigidas”, explica a gestora.
Para os demais alunos, os professores gravam videoaulas, como também atendem as turmas ao vivo pelo Google Meet ou pela plataforma Escolas na Rede, disponibilizada de forma gratuita à toda a rede estadual de ensino do Rio Grande do Norte, desde o fechamento das escolas.
Na rede municipal de ensino, as plataformas pedagógicas e aplicativos especializados foram implementados principalmente pelos municípios maiores, com maior capacidade de financiamento, conforme afirma o presidente da Undime, Luiz Miguel Garcia.
Em São José da Laje, cidade no interior do Alagoas com 22 mil habitantes, a Escola Municipal Prefeito José Nunes de Arruda não reúne turmas inteiras em videoconferências. Desde o início da pandemia, o trabalho tem sido feito com a combinação de materiais impressos e videochamadas por WhatsApp, em pequenos grupos de 3 ou 4 alunos. Os alunos que podem acessar o conteúdo remotamente representam 66% de todas as crianças matriculadas na escola da rede municipal.
Já para atender os 72 estudantes sem conectividade, a instituição decidiu pela entrega de atividades impressas a cada 15 dias, disponibilizadas em um mural da escola. Entre esses alunos, estão aqueles que vivem na zona rural da pequena São José da Laje.
A coordenadora da escola, Sirlei Freitas de Lima, relata que, apesar de a entrega presencial ter sido amplamente divulgada nas redes sociais da Prefeitura, dos gestores da escola e ainda na rádio comunitária local, ao longo dos meses, alguns pais deixaram de comparecer para pegar o material.
Em agosto de 2020, já eram 39 crianças sem realizar as tarefas ofertadas. Por isso, preocupada com o abandono e perda do ano letivo, a escola iniciou uma força tarefa para trazer seus alunos de volta.
Combatendo o abandono escolar
Para realizar esse trabalho, a Escola Prefeito José Nunes de Arruda se inspirou no programa “Busca Ativa Escolar”, criado em 2017 pelo Unicef e a Undime, para apoiar e orientar os municípios na identificação das crianças e adolescentes que estão fora da sala de aula. Diante do aumento da evasão escolar na rede pública, durante a pandemia, o programa lançou o documento Busca Ativa Escolar em Crises e Emergências, a fim de unir a comunidade e diferentes setores públicos do município (Saúde, Educação e Assistência Social) em torno de um único propósito: ajudar meninos e meninos a retomar os estudos.
Após uma tentativa frustrada de contactar os responsáveis por telefone, os profissionais da escola saíram em busca dos alunos, batendo à porta de cada um deles. “Após um mapeamento das regiões onde moravam esses estudantes, a coordenação, direção e o corpo docente de nossa escola se dividiram para realizar as visitas domiciliares, munidos das atividades impressas em atraso e prontos para conscientizar os pais e responsáveis da importância da continuidade da vida escolar”, explica a coordenadora.
Um dos participantes dessa busca, o professor Alifer Viturino, conta que a ação permitiu à equipe conhecer a situação desses alunos, o meio em que vivem e os reais motivos que os impossibilitavam de realizar as atividades. “As visitas foram muito positivas para mobilizar os pais dessas crianças a participar da aprendizagem de seus filhos”, comemora.
Os números confirmam o saldo positivo da busca ativa. Um novo levantamento realizado pela escola, em outubro, revelou que 27 crianças foram trazidas de volta aos estudos e puderam concluir o ano letivo.
Iniciativas como as do Rio Grande do Norte e do Alagoas nos mostram que, com comprometimento, entusiasmo e esforço coletivo, é possível contornar as barreiras tecnológicas e estruturais para que meninos e meninas não deixem de aprender.
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No entanto, para melhorar a qualidade do ensino e igualar as oportunidades de aprendizagem entre o ensino público e privado, é de suma importância que todos os professores e alunos tenham acesso à internet de alta velocidade.
É evidente, portanto, a necessidade de acelerar as ações do programa Educação Conectada, do Ministério da Educação, que propõe levar a banda larga a todas as escolas públicas até 2024.