Boas práticas: busca ativa vira uma ação cotidiana

Por UNICEF Brasil

27.05.2022
Boas práticas: busca ativa vira uma ação cotidiana

Na Escola Municipal Goiás, em Macapá, ir atrás de quem não está frequentando as aulas virou exercício diário para reduzir o abandono escolar


Durante a pandemia da covid-19, Erenilda de Jesus teve que se mudar da capital Macapá – município inscrito na edição 2021-2024 do Selo UNICEF – para o interior do estado do Amapá por questões familiares. Sem poder levar todos os filhos, deixou Edilson, 10 anos, por um período com os tios em outra cidade próxima. Longe da escola, sem aulas presenciais, e com acesso precário à internet, o menino acabou parando de realizar as atividades escolares. “Eu mandei as atividades, livros e cadernos para ele fazer, só que é muito difícil o acesso lá”, conta a mãe. “Infelizmente ele não estudou nada, e ficou complicado para ele”, diz.

Quando as aulas presenciais voltaram, em 2021, Edilson não compareceu. Foi quando a Escola Municipal de Ensino Fundamental Goiás, onde estuda, começou a ir atrás de quem não havia retornado. A ação é parte do projeto “Nenhum a menos”, iniciativa criada pela escola em 2015 para fazer busca ativa de crianças que não comparecem às aulas e enfrentar a evasão e o abandono escolar.

“A gente começou a fazer a busca por meio do telefone, percebemos que a mãe não tinha acesso à internet. Depois, começamos as visitas [domiciliares]”, lembra Agnaldo Silveira, professor e coordenador pedagógico da escola. “Havia pouca informação do que tinha acontecido com o Edilson, porque ele não tinha parentes na comunidade e a gente perguntava para vizinhos”, conta. Foi então que descobriram que a família precisou ir para o interior do estado, e pouco a pouco conseguiram restabelecer contato por meio do WhatsApp. “A mãe visualizava a internet e o WhatsApp com pouca frequência, demorava 10 dias, 15 dias. Mas sempre mandávamos mensagem dizendo que a criança precisava voltar para a escola, da importância de não perder este ano letivo”, diz.

Erenilda recebeu o recado e, assim que pôde, voltou para Macapá e compareceu rapidamente à escola. “Tinham mandado um recado da escola para eu comparecer, aí eu fui lá, e pediram para trazer meu filho, porque ele tinha que voltar a estudar. Realmente, eu já estava preocupada com isso”, diz.

Agora, Edilson está de volta às aulas presenciais cursando o 5º ano, e diz que prefere estar na escola do que estudar em casa. “Era muito ruim de fazer, era difícil. A letra [do celular] era pequena”, lembra. “Eu gosto da escola porque a gente aprende a estudar, a ler, a gente faz mais atividades. Gosto de brincar, fazer desenho”, conta. “Eu falo para ele que aprender a ler e escrever vai servir para ele no futuro, que tem que ter uma vida melhor, estudar, ser alguma coisa na vida”, completa a mãe.


Nenhum a menos
A Escola Municipal Goiás está localizada na Comunidade do Coração, remanescente de quilombo e que fica em uma área que atende tanto estudantes da zona rural quanto urbana em Macapá. “Por conta disso, muitas crianças – pela distância ou por alguns motivos como desemprego dos pais, mudança de endereço, que é muito comum aqui – acabam deixando um pouco o espaço da escola. Mas a escola há muitos anos vem trabalhando na busca ativa desses estudantes”, diz a gestora da Escola Goiás, Valdirene Nunes.

Por conta disso, o resultado do baixo abandono escolar e o número de reprovações vêm se mantendo ao longo dos últimos anos. O coordenador Agnaldo conta que o início foi difícil, já que muitos professores não tinham o hábito de informar a frequência do estudante para a coordenação e direção da escola e, consequentemente, não existia um conhecimento sobre quem estava faltando e os motivos para não estar estudando.

“Mas, depois, isso se tornou uma rotina da escola e a gente percebe que as ações ocorrem de forma natural. Já é uma prática do professor informar quando a criança falta, e uma prática da coordenação intervir nessa situação com ligações e visita. Cuidar da frequência e da permanência do aluno, virou uma cultura da Escola Goiás”, explica Agnaldo.

A rotina agora não é apenas dos professores, mas também das famílias dos estudantes. A cada três faltas seguidas, a família é contatada para entender o motivo ou os responsáveis devem ir até a escola justificar a ausência sempre que os filhos não puderem comparecer à escola. Na sala da coordenação, pais, mães e responsáveis entram e saem com frequência para informar os motivos e ter certeza de que a escola está informada.


Com a chegada da pandemia, o projeto continuou funcionando, mas com dificuldade. “Mesmo assim a gente não desistiu de nenhuma criança”, diz Agnaldo. Sem a sala de aula e com o acesso precário de muitos estudantes à internet, a escola continuou a usar os recursos que podia, incluindo ligações e visitas domiciliares aos estudantes que não estavam realizando as atividades remotas.

“Tivemos muita dificuldade, porque as pessoas estavam com muito medo do contágio, do vírus. Então, para chegarmos perto de uma pessoa, mesmo só pra entregar o material, as famílias tiveram um impacto de recusa mesmo”, lembra a gestora Valdirene. A solução encontrada pela escola foi amarrar as tarefas no portão e pedir para que os pais, mães ou responsáveis fossem buscá-las, sem precisar de contato. Com as atividades feitas, voltavam a amarrar no portão para que os professores pudessem corrigi-las.

Agora, a escola tem trabalhado na recuperação da aprendizagem dos estudantes, que ficaram quase dois anos sem aulas presenciais, garantindo que todos tenham voltado para a escola e estejam realizando as atividades. “Eu espero também que outras escolas possam fazer um projeto ou ações do tipo, e resolvam o problema principalmente da evasão escolar, que garanta o direito da criança de ter acesso e permanência na escola. E isso não é difícil, a gente percebe que são ações simples”, conclui Agnaldo.


Fonte: UNICEF Brasil